NateWooley + David Maranha & Helena Espvall
Mantras contrastantes
Grande noite de música na ZDB, com trompete a solo e um duo de órgão ou violino e violoncelo em diferentes abordagens do “drone”. Wooley a interpretar uma peça reducionista de Éliane Radigue, Maranha e Espvall a entrarem num psicadelismo noise fortemente amplificado e processado.
Se um “alien” aterrasse por cá e se deparasse com um guia turístico ou uma revista “hip”, possivelmente ficaria com vontade de conhecer a vida cultural nocturna de Lisboa. Sendo um dos pilares do Bairro Alto, um espaço reconhecido por todos e com visibilidade internacional, seria até de esperar que esse extraterrestre fosse encaminhado para a Galeria Zé dos Bois. Como alguns turistas que se atarantaram nos concertos da passada noite de 24 de Março, qualquer visitante do Espaço se encheria de confusões ao assistir a actuações tão contrastantes. Primeiro a de Nate Wooley, depois da dupla de David Maranha e Helena Espvall.
Apesar de o trompete ser um instrumento improvável para concertos a solo, o ano passado tivemos a oportunidade de assistir a duas grandes provas de que há muitos caminhos a explorar por trompetistas a solo, nomeadamente com os concertos de Yaw Tembe, também na ZDB, e Peter Evans, no Panteão Nacional. Nate Wooley apresentou um outro caminho a solo, interpretando uma peça escrita para si por Éliane Radigue, compositora francesa percursora da música electrónica.
Numa linguagem reducionista, Wooley amansou o ritmo cardíaco dos presentes que se predispuseram a isso. O trompete fez o papel de uma tecla de sintetizador. Num ritmo e tom constantes, o foco passou para as interferências subtis de vibração e para a espacialização do som, com o músico a rodar em respiração circular e enchendo polifonicamente a sala. Tal como os anteriormente referidos concertos de trompete solo, a actuação de Nate Wooley insere-se directamente entre as melhores do ano.
A contrastar com o quase silêncio de Wooley, tivemos o noise do duo de David Maranha e Helena Espvall, em noite de lançamento do disco “Sombras Incendiadas”, editado pela suíça three:four. Tanto o órgão e o violino de Maranha como o violoncelo de Espvall estavam fortemente armados com uma torrente de pedais, contando a violoncelista até com uma ajuda discreta de Derek Moench no processamento do sinal acústico que saía do seu instrumento.
A cadência do “drone” era ditada pelos pés irrequietos de Maranha, que assim oscilava o som em ondas destruidoras. Ao ritmo das ondas somava-se o abanar de cabeças em transe do público, cujos ouvidos se iam adaptando àquele psicadelismo violento.
O concerto sustentou-se num fio de navalha. Era como se os músicos fossem equilibristas numa corda a bambolear, mas a corda estava electrificada e em vez de varas apenas tinham arcos para se equilibrarem.
Mas se havia noção da importância do controlo, havia igualmente o conhecimento de que nem sempre se quer controlar um incêndio. Neste caso a dupla foi deixando rolar uma bola de som que se transformou numa avalanche e submergiu o aquário da ZDB, para gáudio dos presentes, que certamente ainda foram para casa com aquele mantra na cabeça.