Anthony Braxton Diamond Curtain Wall Quartet
25 de Abril sempre!
No dia em que se comemorava a implantação da democracia em Portugal, tocou na Casa da Música um símbolo da liberdade: Anthony Braxton estendeu uma cortina de diamante. Chovia lá fora, mas chegámos a casa enxutos.
Em noite de Abril, a mesma noite de 25 passados 41 anos, em noite de festa chuvosa e fria na cidade do Porto, lançou Anthony Braxton sobre o palco da Sala Suggia, na Casa da Música, uma cortina de diamante, tecida com os sons do próprio Braxton (saxofones alto, soprano e sopranino, clarinete baixo e electrónica), de Taylor Ho Bynum (corneta, trompete de bolso, trompete baixo, fliscórnio e trombone), Ingrid Laubrock (saxofones alto e soprano) e Mary Halvorson (guitarra eléctrica e efeitos).
Pergunta primeira: o que se pretende com a confecção de uma cortina de diamante? O que se pretende ao lançar tão translúcido tecido num palco? O que se deseja velar? O que há a desvelar? Perguntas segundas: quantos fios são necessários à feitura da transparência? Que objectos lhe são fundamentais? Como se cozem panos sonoros tão sensíveis?
Espantou a quantidade de instrumentos em palco para apenas cinco músicos - durante exactamente uma hora vários foram os fios de som que se foram alternando em tecelagem complexa dos vários instrumentos. Entre todos, curioso o fio electrónico: o computador de Braxton ofereceu como que um zumbido constante, um ruído, um silêncio, uma paisagem de fundo que se podia entrever. Ora quando a cortina se abriu ligeiramente (para rapidamente se fechar), ora quando ondulou e se agitou um pouco mais.
Provocou também admiração a qualidade desses fios de som - a afinação de todos os intérpretes e de todos os instrumentos (e o excelente som de palco: parabéns à equipa técnica da Casa da Música). Maravilhou a qualidade individual e grupal dos intérpretes - no domínio da interpretação de uma linguagem musical convencional e no domínio da interpretação de uma linguagem incidental, moderna, expressiva, para-musical. Provocou enleio a forma musical semi-livre que a cortina tomou, assentando num fluir ininterrupto, consistente e coerente, de dinâmicas e de secções mais ou menos estruturadas.
Em Nova Iorque, de uma conversa em final de tarde com um improvisador amigo, retive: a grande equação é “how not to play together, together”. Braxton há muito que a resolveu. Do bom programa de apresentação do concerto, escrito por Luís Figueiredo, anoto as seguintes palavras proferidas por Braxton em 1971: «Não estou nada interessado em música. Nem estou interessado em espiritualismo. Estou apenas interessado em matemática e tecnologia. Uso a música como meio para atingir um certo tipo de ideias conceptuais que me atraem. A música é o caminho mais rápido que consegui encontrar para chegar onde pretendo. Mas se houvesse um caminho mais rápido, seguiria esse caminho.»
Lá fora, na Avenida da Boavista e na Praça Mouzinho de Albuquerque, a noite de 25 de Abril era de festa com chuva e frio. No interior da Sala Suggia da Casa da Música, a cortina de diamante lançada por Braxton, Laubrock, Bynum e Holvorson ondulou ligeiramente ao sopro de um vento leve, às vezes quente, por vezes frio, sem agitações que a empurrassem descontroladamente no tempo ou no espaço como em noites de tempestade - no balanço da insinuação, no balanço da razão, no balanço da tensão contida, uma cortina de diamante que ninguém ousou atravessar, permitindo que todos chegássemos a casa enxutos.