Rive Gauche Mid Range Orchestra
Um concerto para o Massas
O ensemble de 20 elementos reunido por João Pedro Viegas dedicou a sua prestação no Centro Cultural da Malaposta a Paulo Albano, o Massas, que morrera umas horas antes. Tudo o que se tocou foi para ele, mas custou não se ouvir, no fim, um dos seus «muito bem» no fundo da sala.
A notícia chegou durante o jantar através de um telefonema. O Massas morrera umas horas antes. Com um súbito, imprevisível, aneurisma. Uns 15 anos antes outro tinha-o deixado mal, mas recuperara plenamente – era um homem bem-disposto e completamente empenhado na tarefa de viver da melhor maneira. Já à segunda vez que tal lhe aconteceu não conseguiu resistir. A maior parte dos músicos que constituíam a Rive Gauche Mid Range Orchestra para esta sessão no Centro Cultural da Malaposta, no passado dia 23 de Maio, tinha estado com ele apenas uns dias antes, no MIA, em Peniche.
Paulo Albano, o Massas, era uma pessoa que sobressaía do público. Ia a quase todos os concertos de jazz e música improvisada realizados em Lisboa e nos arredores e dava largas ao seu contentamento quando a música era boa, com uns sonantes «muito bem» ou «fantástico» e com umas logo reconhecíveis onomatopeias de agrado. Abriam-se os sorrisos no palco: «Ah, está ali o Massas.» Era o tipo de ouvinte que um músico gosta de ter, e por isso tornou-se amigo de muitos deles, nacionais e de visita. Fazia parte da cena, era um membro da comunidade do jazz.
Se o “soundcheck” do concerto se fizera com entusiasmo e alegria, no rescaldo da intensidade emocional do Encontro de Música Improvisada de Atouguia da Baleia, logo ali, à mesa, o estado de espírito mudou. Fez-se silêncio, cada um virando-se para os seus próprios pensamentos. Quando a actuação começou, à noite, a atmosfera que acompanhava os sons era pesada, estranha. João Pedro Viegas, o mentor da Rive Gauche e seu condutor, dedicou a sessão a «um companheiro que perdemos hoje, o Paulo Albano».
Envolvidos no empreendimento estavam – entre portugueses e convidados de Itália, França, Brasil e Alemanha – Abdul Moimême, Armando Gonçalves Pereira, Carlos Santos, Carlos “Zíngaro”, Carlo Mascolo, Emídio Buchinho, Fernando Simões, Guy-Frank Pellerin, João Madeira, José Bruno Parrinha, Luiz Rocha, Manuel Guimarães, Maria Radich, Miguel Falcão, Miguel Feraso Cabral, Miguel Mira, Paulo Chagas, Paulo Curado, Ricardo Ribeiro e Ulrich Mitzlaff, num total de 20 elementos. O objectivo era conduzir este grande ensemble com um sistema misto de sinais e cartões escritos, na linha do que fizeram ou fazem Walter Thompson, Butch Morris e John Zorn.
Viegas foi desmultiplicando o grupo em pequenas formações, fosse convocando os intervenientes para alguma específica combinação, com, à vez, o protagonismo da voz, do violino, do acordeão, do saxofone, da flauta, da electrónica e da bateria, ou envolvendo os naipes de sopros e cordas em diferentes configurações, beneficiando das presenças de três clarinetes (soprano, alto e baixo), dois trombones, dois contrabaixos, dois violoncelos e duas guitarras: O seu propósito tornou-se claro: expandir o espectro de timbres e explorar a sua variedade.
Passagens houve de grande musicalidade e outras que correram menos bem ou menos conformes com o que se pretendia. Para além do factor tristeza que se fazia sentir, houve alguns problemas de som, com microfones que não funcionavam ou tinham o volume demasiado baixo na mistura. Amplificar uma “big band” com a dimensão e as características desta não é tarefa fácil, e o certo é que o Centro da Malaposta tem mais rodagem técnica com o teatro do que com a música. Aliás, o facto de aquele espaço de Odivelas se dedicar especialmente ao teatro explica a pouca assistência, e como se sabe a improvisação precisa de uma plateia para ser mais vibrante e comunicativa. No cômputo geral, destacaram-se, sobretudo, as contribuições de Miguel Feraso Cabral na bateria, Guy-Frank Pellerin no sax tenor e Abdul Moimême na guitarra.
No final, o que mais se sentiu foi que o Massas não estava lá. Não se ouviu a sua voz. A partir deste dia não vamos ouvi-la mais. A música ao vivo deixou de ter o seu melhor fã.