Peter Brötzmann / Steve Noble
Sempre no limite
O regresso do duo a Portugal foi ainda mais incendiário do que nas suas anteriores apresentações por terras lusas. Ou foi, pelo menos, o concerto na ZDB a 2 de Julho, com o septuagenário saxofonista em registo de ferocidade sónica e o baterista inglês a manter uma tapeçaria rítmica trepidante.
Foi com surpresa que recebemos a notícia que Peter Brötzmann estava de regresso para actuar em Portugal com o baterista Steve Noble. Tendo actuado há pouco tempo (em Outubro de 2014) no Out.Fest, na companhia de Noble, o alemão voltaria a repetir a formação para os concertos que daria em Lisboa, na Guarda e em Braga. Seria legítimo esperar ver Brötzmann num contexto diferente, uma vez que, nos últimos anos, o veterano saxofonista já se apresentou ao vivo no nosso país com diversos grupos – já o vimos com o trio Full Blast (Parque Mayer em 2006 e ZDB em 2012), com um quarteto internacional (que incluía Joe McPhee, no Jazz ao Centro 2009) e com o magnífico Chicago Tentet no Jazz em Agosto (2008).
Se a actuação da dupla no Barreiro, integrada no Out.Fest, contou com uma primeira parte (a cargo de Norberto Lobo), a actuação no aquário da ZDB aconteceu mesmo a seco, sem qualquer aquecimento. Brötzmann arrancou no saxofone tenor, desvendando desde logo o seu som incendiário. Como sempre, como dantes, o veterano não deu sinais de fadiga, apesar da idade respeitável – é um septuagenário, lembramos. O saxofone foi o veículo para exprimir aquela ferocidade sónica, uma marca que tem registada desde que gravou o seu disco de estreia, “For Adolphe Sax”, em 1967.
A acompanhar o sopro feroz do velho Brötzmann estava a bateria de Steve Noble. Apesar da diferença de gerações (Noble é quase 20 anos mais novo que o alemão), o inglês mostrou ser – e cada vez mais – um parceiro ideal para a energia do palhetista. O baterista que passou pelos Rip, Rig & Panic é agora uma figura fundamental na cena da música improvisada, tendo actuado e gravado com gente como Derek Bailey, Lol Coxhill, Alex Ward ou Franz Hautzinger, entre muitos outros.
A parceria entre Brötzmann e Noble vem sendo desenvolvida nos últimos dois/três anos, tendo a dupla editado apenas um disco nesse formato, “I Am Here Where Are You” - uma edição Trost Records, de 2013, que tem como capa um interessante desenho erótico/porno. Mais recentemente, à dupla juntou-se o contrabaixista John Edwards para editar em trio “Soulfood Available”, pela portuguesa Clean Feed. Ambos os álbuns documentam esta mesma música fogosa, com chamas incandescentes que teimam em não se apagar.
No aquário da ZDB o duo não desiludiu. Se o concerto no Barreiro já tinha cumprido as expectativas, este terá superado essa primeira aparição. Como habitualmente, Brötzmann não se ficou por um único instrumento, servindo-se de várias palhetas – além do saxofone tenor, utilizou também o clarinete e o tarogato (só não trouxe o sax alto, que tocou quando foi ao Barreiro). Sempre demoníaco, enérgico, imparável. A bateria de Noble correspondia com toda a eficácia e, além de mostrar destreza e versatilidade, também aproveitava para sugerir caminhos, lançar ideias.
Entre a tapeçaria rítmica trepidante de Noble e o sopro vertiginoso de Brötzmann cresceu na ZDB uma música intensa, um fogo que raramente abrandou, sempre aceso, sempre no limite.