Pedro Sousa / Gabriel Ferrandini
Canção de amor
O saxofonista e o baterista da linha de Cascais estão a viver intensamente o Verão e irradiam boas vibrações. Pegaram na “Love Song” de Tony Williams e fizeram todo um concerto com o tema, num belo jardim em ruínas de Lisboa. Foi especial, muito especial…
Espaço lisboeta dedicado à fotografia contemporânea, a Galeria Pedro Alfacinha apresentou um concerto da dupla Pedro Sousa & Gabriel Ferrandini no âmbito das suas Summer Sessions. O concerto não teve lugar no espaço expositivo (demasiado pequeno para o efeito), mas num pátio interior de estranha beleza, entre ruínas de muros caídos e um jardim. O público respondeu ao convite em bom número: as cadeiras não chegaram e havia muita gente sentada no chão.
Para os músicos era também uma ocasião especial. A dupla iria apresentar uma versão de “Love Song”, de Tony Williams. No tema original, incluído no disco “Spring”, de 1965, gravado quando ainda o baterista integrava o quinteto de Miles Davis, Williams marca o ritmo enquanto o saxofone de Sam Rivers explora o longo tema. Em antevisão, Ferrandini contara-nos que o tema reflecte na perfeição a actual “vibe” do duo: “amor, amizade, verão e futuro”. Para a ocasião também a indumentária foi especial: ambos os músicos vestiram camisas azuis e calças pretas. Ferrandini ainda colocou uma gravata preta, mas Sousa não precisava, já que tinha a fita do saxofone ao pescoço.
A música arrancou com uma “intro” de Pedro Sousa, no saxofone tenor, a solo. Numa toada mais melódica do que o habitual, foi descascando até chegar à melodia do prometido tema. Quando a “Love Song” chegou de forma assumida, entrou então a bateria de Ferrandini. Foram trabalhando o tema, primeiro repetindo o motivo melódico, depois transformando-o. Enquanto a bateria explorava de forma mais enérgica, o saxofone mantinha-se fiel ao tema, voltando recorrentemente à melodia principal. Contudo, e como é habitual com o duo, não tardou até chegar um crescendo de intensidade, numa toada explosiva - além da expansividade do baterista, também o saxofone cuspia fogo.
Depois houve um abrandamento, passando a estar Ferrandini sozinho. Primeiro, muito subtilmente, a passar os dedos pelos pratos, depois em apontamentos esperados, que ia desenvolvendo até criar uma tapeçaria rítmica. A entrada de Sousa nesta segunda fase deu-se através de uma aproximação textural (a usar sobretudo o som das chaves), enquanto a bateria se deixava num papel mais contido. A intensidade foi crescendo, com Sousa a explorar a respiração circular (que nos deixava sem fôlego só de ver). Depressa voltámos à onda mais explosiva, com as descargas enérgicas de bateria a encontrarem eco nos rugidos intensos do saxofone tenor. No final regressaria a melodia da “Love Song”, fechando o círculo.
Se no tema original a bateria de Tony Williams tem um papel mais recatado, a intervenção de Ferrandini é incomparavelmente livre, sempre a lançar faíscas em diferentes direcções, sempre a provocar. Já a postura de Sousa esteve mais próxima da intervenção de Sam Rivers, procurando alguma fidelidade à histórica gravação, embora tenha viajado sem medo e também não tenha evitado a sua própria linguagem saxofonística, crua e intensa. No final houve aplausos, muitos e entusiasmados. Não houve “encore” mas não seria necessário, foi óptimo assim mesmo.