Rodrigo Amado Motion Trio & Matthew Shipp
Energia automática
O primeiro encontro do grupo português com o pianista norte-americano pecou pela pescadinha de rabo na boca das reacções musicais, mas houve momentos rm que, no passado dia 1 de Outubro, a temperatura subiu no Teatro Maria Matos, em Lisboa.
Constituído por Rodrigo Amado no saxofone alto, Miguel Mira no violoncelo e Gabriel Ferrandini na bateria, o Motion Trio tinha um encontro marcado no primeiro dia de Outubro com o pianista americano Matthew Shipp. As expectativas eram altas; bastava ao quarteto soar tão bem como tem soado o trio para ser uma aposta ganha. Não soou, mas ganhou na mesma.
Uma das características mais interessantes do Motion Trio tem a ver com a ambiguidade e o suspense quanto aos caminhos que trilha em cada actuação. As harmonias de Shipp davam direcções concretas e isso limitava o trio. Exemplo máximo disso foi a prestação de Miguel Mira, que tende a ser a “wild card” do grupo, mas que esteve muito colado à linguagem e aos ritmos de Matthew Shipp. Um momento particularmente interessante dessa colagem terá sido o duo protagonizado pelo pianista e pelo violoncelista num trecho que poderia ter sido escrito por Ligeti na sua fase mais matemática. Amado e Ferrandini juntaram-se ao duo para acrescentar músculo àquela música.
Nas muitas formações em que se dividiu este concerto, o momento em que Rodrigo Amado deixou o trio de piano desenvolver-se foi particularmente fogoso e propulsor. Também o momento de duo entre o líder que dá nome ao trio e Gabriel Ferrandini relembrou-nos a energia pura de que são feitos estes músicos. Energia essa que transbordou para fora do palco e subiu a temperatura do Teatro Maria Matos.
Num concerto com mais de hora e meia, os músicos estariam, porventura, a pensar mais numa futura edição discográfica do que no concerto em si. Com o desgaste da concentração, caiu-se em alguns automatismos e numa pescadinha de rabo na boca de reacções musicais em cadeia. Matthew Shipp foi empurrando o grupo para zonas de desconforto e assumiu várias vezes as rédeas, mas quando a Amado parecia mais oportuno este puxava as brasas para as suas sardinhas de cacofonia violenta, tendo sido estes os momentos mais fortes e interessantes da noite.
Talvez apenas acompanhado pelo Red Trio, o Motion Trio é, provavelmente, a marca mais forte na cena do free jazz e da improvisação em Portugal, trazendo atenção e prestígio para a mesma. Trabalham para transformar possíveis preconceitos quanto a esta num “Birth of the New Meta Pós-Cool”. No dia seguinte, o Motion Trio partiu para uma minidigressão europeia e Matthew Shipp voltou ao Teatro Maria Matos para uma conversa intimista com um pequeno grupo de músicos portugueses.