Norberto Lobo / João Lobo Sexteto “Oba Loba”
O jazz também é isto
Foi um concerto colorido, extravagante, inconformista e atrevido, misturando canção pop e experimentalismo improvisado num invólucro que soava indubitavelmente a jazz. De um grupo com dois portugueses, três belgas - um deles com mãe catalã - e um italiano só poderia resultar algo tão diverso e tão diferente, ao mesmo tempo fazendo todo o sentido.
Difícil será definir que música faz o sexteto com a direcção partilhada de Norberto Lobo e João Lobo, e ainda bem. É da maneira que o momento seguinte surge em toda a sua imprevisiblidade. Foi assim que se ouviu o álbum “Oba Loba”, lançado no final do ano passado, e foi assim também que o grupo formado pelos dois Lobos (que não, não são irmãos) com Giovanni di Domenico, Ananta Roosens, Jordi Grognard e Lynn Cassiers trocou as voltas à assistência que os ouviu, no final da semana passada, numa apinhada SMUP. A moldura jazz está clara, mas no concerto houve muito mais a compor o retrato: melodias pop, ambientes psicadélicos, improvisação abstracta, música de câmara e até, por alguns minutos, algo de muito próximo da electrónica industrial. Tudo isso sem que o conjunto soasse como uma manta de retalhos: fez sentido, apesar da extravagância e do fantasismo das misturas realizadas.
Do lado de Norberto sabe-se da apetência para este tipo de transversalidades, apesar de habitualmente conotarmos o guitarrista com a folk acústica à maneira de um John Fahey. Já do lado de João, baterista com percurso jazzístico que teve como ponto alto uma colaboração com Enrico Rava, ficou patente a partir do CD “Mogul de Jade” a sua amplitude de horizontes. Os quatro restantes músicos do grupo ainda mais asseguram este foco de larga abertura: Domenico, que tocou piano e Fender Rhodes com pedais de efeitos, e Cassiers, que cantou e manipulou a voz com processadores, vêm ambos do jazz de ponta e da improvisação livre. Roosens (violino, trompete) e Grognard (clarinetes soprano e baixo), esses, começaram pela clássica mas afastaram-se do que habitualmente designamos como tal, ela por via do tango, ele dos ragas e, finalmente, do jazz. Da junção destas contribuições apenas poderia resultar uma música multicolorida, inconformista e atrevida.
Ao vivo, o que já estava no disco desabrochou, demorou-se mais. Foi possível seguir as mutações que iam de uma canção a uma textura de sons, ou desta à primeira, como se não se contradissessem, como se chegar a uma implicasse a passagem pela outra. Melhor: como se não houvesse um só ponto de partida e de chegada, mas vários, ora alternativos, ora confluentes. Aliás, não havia divergência: os caminhos separavam-se, sim, mas estavam ligados, eram paralelos, e acabavam por desembocar algures um no outro. O jazz não era a cola, depressa o percebemos nesse absoluto momento de verdade que é uma actuação ao vivo, mas a fronteira externa, o invólucro, o que está lá fora, mas delimita.
Este projecto de dois portugueses com três belgas - um deles, Grognard, com mãe catalã - e um italiano apresenta a mesma variedade musical que a das origens culturais dos seus elementos. É, a todos os níveis, trans-idiomático. Um híbrido, sem dúvida, mas qual será a manifestação artística e cultural que não tem esse cunho? É ilegítimo dizer que aquilo que se ouviu na Parede não se trata de jazz – jazz é muitas coisas, sempre foi. Tem uma identidade própria, mas esta foi formada desde o início por componentes de diversas proveniências. Ou seja, nenhuma música como o jazz poderia absorver em si tal diversidade de conteúdos mantendo intacta a sua natureza. Se para algo, além do prazer dos ouvidos, este sexteto tem contribuído é podermos chegar a tal conclusão. O jazz-pop psicadélico e experimental dos Lobos é jazz, e pronto…