Antez / Gustavo Costa / Henrique Fernandes / João Pais Filipe / Steve Hubback
Viagem psicadélica
No passado dia 5 de Fevereiro, a Sonoscopia apresentou o trabalho desenvolvido por um quinteto formado por três portugueses, um francês e um galês numa residência artística de três dias nas instalações do Porto daquela associação. Só faltou a água para termos todos os elementos reunidos.
Logo ao chegarmos à acolhedora sala onde se realiza grande parte dos espectáculos da Sonoscopia fomos surpreendidos. Estava repleta de parafernália. Pouco espaço sobrou para o público, que teve de se amanhar à volta dos músicos.
Numa das extremidades do rectângulo, Gustavo Costa fez uso de um instrumento composto por molas metálicas esticadas na vertical, um “laptop” acústico (pequena caixa de madeira cuja assemblagem concentra múltiplas possibilidades sónicas), um “laptop” convencional para processamento de sinal áudio e duas placas metálicas de grandes proporções. Ao seu lado, João Pais Filipe fez soar os pratos e gongos por si manufacturados.
Na outra extremidade, o galês Steve Hubback - cúmplice de Pais Filipe na forja - tocou num “kit” cuja estrutura em galhos de árvore e pratos em forma de dragão (ou com padrões cósmicos) nos remetia para um universo fantástico. Henrique Fernandes concentrou-se em areia, escovas de arame e bolas de matraquilhos sobre ardósias e vidros. A figura central foi o francês Antez, que circulou continuamente à volta do seu bombo disposto na horizontal, ao centro da sala.
Na margem do seu percurso encontrava-se um estendal com o que parecia ser um arsenal de instrumentos da mais sofisticada tortura: varas metálicas com pegas extravagantes, tubos metálicos multiformes com orifícios, molas de amortecedor com pegas de madeira adaptadas, pratos de bateria, funis de toda a forma e feitio, ossos de borracha, etc. Todos estes objectos ressoaram e fizeram ressoar as peles permanentemente aquecidas por um holofote colocado por baixo do bombo. Antez foi seleccionando o que pretendia usar à medida que ia passando pelo estendal, numa das suas muitas e hipnotizantes voltas, para logo deixar cair num cobertor esticado no chão o que já não lhe servia o propósito.
A riqueza tímbrica e dinâmica deste concerto foi soberba! Do começo, com sons tímidos de escovas nas ardósias e nos vidros, dos arcos de violino friccionados em pratos e gongos ou cordas, das molas excitadas, passou-se para um plano mais forte e estridente - sem nunca ferir. As percussões iam pontuando sobre os “drones” sacados do bombo e a atmosfera onírica / cósmica / tribal / ritualística ia-se adensando. A julgar pelo olhar vago do público, estaríamos todos numa espécie de viagem catártica ou psicadélica, só acordados por algum som inusitado, tipo bolas de matraquilhos a moerem areia numa lousa escolar, ou pela curiosidade de se perceber a sua proveniência. Momentos houve em que ambientes industriais ou situações de “suspense” foram evocados, de forma natural.
No final desta “montanha-russa” ficou o silêncio, essencial, longo até ao limite do confortável, só interrompido pelas palmas e pela humildade desconcertante de Antez, que perguntava aos companheiros e ao público se podia tocar mais. A vontade de todos consumou-se numa segunda abordagem mais vigorosa e igualmente estimulante. À terra (areia, pedras), ao ar (meio físico de propagação do som) e ao fogo (representado pelo ferro forjado), só faltou a água para este ser um concerto “elementar”. De facto, água não meteram os cinco músicos reunidos.