Joe McPhee / Chris Corsano
Como gasolina para as chamas
A dupla do saxofonista / trompetista e do baterista que se juntaram a Rodrigo Amado no álbum “This is Our Language” passou por Portugal em digressão entre os dias 10 e 13 de Fevereiro. A jazz.pt foi ouvi-los na ZDB, em Lisboa, e a casa ardeu…
Músicos de gerações e origens distintas, o veterano Joe McPhee (saxofones e trompete de bolso) e o mais jovem Chris Corsano (bateria, percussão) vêm trabalhando em parceria há alguns anos. No ano passado McPhee e Corsano integraram o quarteto liderado por Rodrigo Amado que editou o aplaudido disco “This is Our Language”. Além disto, a dupla já apresentou dois álbuns, “Under a Double Moon” (2011) e “Scraps and Shadows” (2013) e vem solidificando a sua dinâmica em múltiplas actuações ao vivo. Entre os dias 10 e 13 de Fevereiro o duo apresentou-se ao vivo em quatro cidades portuguesas: Viseu (Teatro Viriato, dia 10), Lisboa (Galeria ZDB, 11), Braga (GNRation, 12) e Barreiro (Velvet Be Jazz Café, 13). Fomos assistir à actuação da dupla na ZDB.
A sala estava cheia e o concerto começou com um ligeiro atraso. Joe McPhee aproximou-se do microfone, começou por fazer apenas sons estranhos com a boca e passou rapidamente para o trompete de bolso, continuando a explorar sons através dos tubos, mas avançando para uma abordagem tradicional do instrumento: o sopro a produzir notas cada vez com mais clareza. Chris Corsano atirou-se à bateria, complementando a intervenção de McPhee de forma enérgica e inventiva. Foi assim o arranque da dupla no palco do já famoso “Aquário”. O concerto tinha começado 20 minutos após a hora marcada, mas depressa o público esqueceu o atraso: a sala rendeu-se à intensidade da actuação.
Após essa introdução com o “pocket trumpet”, numa intervenção relativamente breve, McPhee passou para o saxofone tenor. Pleno de energia, o veterano atacou o tenor com alta intensidade, com momentos de fogo à Albert Ayler. A bateria de Corsano funcionava como gasolina para as chamas de McPhee, como réplica perfeita ao sopro, com o seu diabólico ritmo a funcionar como propulsão para o vigor do seu companheiro. Apesar de o multi-instrumentista habitualmente se servir também dos saxofones alto e soprano, seria o tenor o instrumento que McPhee utilizaria durante quase toda a actuação – fazendo apenas um pequeno regresso ao trompete de bolso, já na parte final.
Além da diferença geracional, também o aspecto físico dos músicos os separava: Corsano de suor no rosto, frenético e de ar nervoso; McPhee descontraído, de boné e óculos escuros, pose tranquila. Contudo, a evidente conexão musical fazia esquecer tudo à volta. A dupla desenvolveu um diálogo musical aberto que, apesar de partir da pura improvisação sem rede, rapidamente encontrava pontos de contacto e ligação, assumindo uma natural faceta “jazz”. Corsano não se limitava a responder criativamente ao saxofone, disparava ritmos frenéticos. McPhee não se limitava a lançar rugidos, desenvolvia um discurso estruturado. Saxofone e bateria encontravam-se num processo de comunicação articulado, estabelecendo um diálogo prolífico de ideias.
Um dos momentos mais memoráveis da noite foi um longo solo de McPhee (ainda no saxofone), explorando uma espécie de balada que, apesar de alguma rugosidade, estava carregada de emoção, numa toada quase coltraneana. Também particularmente emotiva foi a passagem pelo tema “Lonely Woman”, numa bonita homenagem a Ornette Coleman, que morreu há cerca de meio ano - curiosamente, um outro veterano, o alemão Peter Brötzmann, com quem McPhee colabora em alguns projectos, também interpretou este tema numa visita recente a Portugal.
Neste encontro de gerações, Corsano e McPhee não se ficaram por uma exibição de pujança e exuberância instrumental. Com a generosidade dos gigantes, dialogaram e criaram uma música rara e bela, uma oferta irrepetível para os afortunados espectadores presentes. O entusiasmo do público, no final, foi o agradecimento possível.