Dawn of Midi
Torrente obsessiva
O trio de piano jazz foi ao Teatro Maria Matos apresentar uma música minimalista que deve mais a Steve Reich do que a Thelonious Monk. Parecia feita por máquinas e não tinha lugar para a improvisação, mas entusiasmou o público com os seus ritmos compulsivos.
Não foi uma noite típica no Teatro Maria Matos, em Lisboa. A lotação da sala estava reduzida à bancada, o palco estava envolvido por fumo. Os três nova-iorquinos, Aakaash Israni (contrabaixo), Amino Belyamani (piano) e Qasim Naqvi (bateria), subiram ao palco, pelo meio do fumo, e tranquilamente começaram por afinar os instrumentos. Só depois arrancou a música: o contrabaixista deu o primeiro passo, piano e bateria acompanharam-no. Apesar da aparente natureza formal – um clássico trio de piano jazz –, a música produzida pelos Dawn of Midi afasta-se completamente dessa matriz.
Unidos, piano, contrabaixo e bateria desenvolveram padrões melódicos e rítmicos. Padrões simples, mas repetidos vezes sem conta, numa torrente obsessiva. Em tempos era moda usar-se a expressão “música minimal repetitiva”, mas esse rótulo seria a mais perfeita classificação para a música que o trio Dawn of Midi revelou ao mundo no disco “Dysnomia” (Thirsty Ear, 2013). E foi esse disco, interpretado ao vivo, sem pausas entre temas, que o grupo tocou.
A música do trio deve mais a Steve Reich do que a Thelonious Monk, afastada do jazz mas próxima da repetição hipnótica do trance. Apesar de minimal, a música não é absolutamente estática, vai evoluindo - mas vive num desenvolvimento lento. Por vezes, de repente, os três músicos lançavam em simultâneo uma pequena variação, uma mudança que funcionava como perfeita disrupção, seguindo esse novo tema com mais intensidade, cativando o público pela surpresa. Apesar da frieza dos temas, o elemento orgânico da interpretação ao vivo dos instrumentos acústicos compensava pelo equilíbrio.
Mais do que exibição de capacidade técnica ou virtuosismo, a música dos Dawn of Midi é interpretada de forma robótica, como se fosse feita por máquinas, com os músicos limitados ao cumprimento do papel pré-definido. Sem qualquer possibilidade de intervenções individuais, aqui não há espaço para qualquer improvisação, não há espaço para qualquer ideia autónoma ou pequenos desvios.
NoMaria Matos a interpretação foi mecanicamente irrepreensível, como se os Kraftwerk se tivessem dedicado a praticar um jazz minimal. Após cerca de uma hora (duração perfeita), o concerto terminou, perante o aplauso entusiasmado de um público satisfeito.