Louis Laurain / Pierce Warnecke + Jonas Kocher / Ilan Manouach
Estilhaços e ambulâncias
Dois duos na Sonoscopia, Porto, representativos das novas correntes da improvisação. Um ofereceu uma música fragmentária e feita de desintegrações, feita com trompete e electrónica, o outro combinou explosões enérgicas e silêncios, com um acordeão e um saxofone soprano. Era um avião a passar? Não, não era.
No passado dia 18 de Maio a Sonoscopia recebeu dois duos, a saber, o de Jonas Kocher (Ch) e Ilan Manouach (Gr) - com o projecto Exhaustion, foto acima - e o de Louis Laurain (Fr) e Pierce Warnecke (US), sendo que, no caso destes últimos, foi um retorno.A noite de concertos começou com Louis Laurain a acometer-nos com o que parecia ser um motor a gasóleo a desfazer-se dentro do seu trompete. O borbulhar próprio da condensação nas tubagens do seu instrumento seria então processado pelo “laptop”de Pierce Warnecke. E assim começou o bombardeamento com processamentos granulares a estilhaçarem ainda mais o que já de si era fragmentário.
Laurain explorou várias técnicas expandidas e Warnecke aproveitou toda a panóplia de sons produzidos para os desintegrar. Enquanto o segundo manipulava os potenciómetros e “faders” do seu controlador MIDI, Laurain sustinha o sopro contínuo de forma circular, abrindo e fechando as válvulas dos pistões, com e sem bocal, com e sem surdina. Seguiram-se momentos mais brandos com a imersão em ressonâncias harmónicas ou sobreposição de “feedbacks” em dissonância. Os dois músicos também alternaram a solo para que pudéssemos perceber quem fazia o quê. Talvez não com essa intenção, mas a verdade é que ajudou a clarificar a proveniência de muitos dos sons tocados e/ou processados. Se esta breve descrição indicia alguma complexidade, desengane-se o leitor. A prestação desta (e da outra) dupla foi bastante simples nos meios e nos fins.
Depois do jantar, Jonas Kocher - no acordeão - e Ilan Manouach - no saxofone soprano - jogaram com o inusitado. A brevidade das primeiras notas só não comprometeu o início enganoso porque a intensidade (e a intencionalidade) performativa dos dois músicos os denunciava. Longas pausas, silêncios entrecortados por explosões enérgicas de ar insuflado, mais silêncio… e dele emergia uma nota bem aguda do acordeão, cheia de modulação, até se perder em novo silêncio.
Nas passagens mais explosivas os músicos debitavam notas em catadupa, num varrimento de teclas ou chaves resolvido com um qualquer harpejo consentâneo. O facto de não terem amplificação - desnecessária, aliás - permitiu o uso da sala como espaço de exploração acústica. O momento alto terá sido quando Manouach agitou o saxofone numa movimentação vigorosa, contínua e pendular, enquanto fazia soar uma nota que se dispersava na sala num efeito de desfasamento físico, não diferente da passagem de um avião ou de uma ambulância com a sirene ligada.
Esta foi uma noite de contrastes modestos, em que os picos e depressões percorridos nunca chegaram a extasiar ou a enfadar. Se me permitem a metáfora, foi como o conforto de boiarmos em águas conhecidas, independentemente das ondas e marés. Depois seguiu-se uma amena cavaqueira entre alguns resistentes, também com os seus altos e baixos e com o recato adequado a um dia de semana. Ou talvez não…