Spinifex
De queixo caído
Oriundo de Amesterdão, um dos mais cativantes projectos da actualidade do jazz está em digressão por Portugal e dará ainda um salto à Galiza. Com uma particularidade: o trompetista Luís Vicente junta-se a Gonçalo Almeida, Tobias Klein, Jasper Stadhouders e Philipp Moser nesta investida de metal-jazz pelo lado mais ocidental da Europa. Fomos ouvi-los à Parede e ficámos – todos no público – de boca aberta.
A vinda a Portugal dos Spinifex é, só por si, um acontecimento. Trata-se, sem exageros, de um dos mais impactantes projectos a surgirem na última década, e o facto de a banda ter nascido na Europa (mais exactamente em Amesterdão) e de incluir um português, o baixista Gonçalo Almeida, diz muito não só da universalização deste género musical como do lugar que nela já ocupam os músicos nacionais. Com a particularidade de, nesta digressão que começou na Parede (SMUP, o espaço em que a jazz.pt os apanhou) e em Lisboa (Hot Clube de Portugal), para rumar de seguida a Tomar, Montemor-o-Novo, Porto, Vila Real e Guarda, com um salto à galega Pontevedra, foi o também português Luís Vicente que ocupou o lugar do trompete, na impossibilidade de à trupe se juntar o habitual Gijs Levelt.
E que boa adição está a ser, a de Vicente. Num projecto muito assente na escrita, com “riffs” e um geral “groove” bem marcados e um tão determinante relevo melódico, a que se associam, em cada tema, vários seccionamentos com súbitas mudanças de rumo e não menos frenéticas retomas de parâmetros, não era fácil que um convidado se adaptasse. O certo é que o trompetista de Lisboa fez apenas um pequeno ensaio com o grupo durante o “soundcheck” do concerto na linha de Cascais, o primeiro da “tour”, e imediatamente aderiu à fórmula. Era o único que, no já lendário sótão da “casa da música” paredense, tinha partituras diante de si, mas as circunstâncias justificavam-no plenamente. Em suma, o primeiro factor de assombro a registar desta actuação dependeu todo ele do que fez o membro dos Fail Better!, e tanto no entrosamento com o colectivo e na definição da sua sonoridade global como a solar.
Muitos outros motivos conduziram a esse assombro, fazendo com que a sala enchesse até ficar à cunha, esvaziando o bar do primeiro andar da SMUP. À noite, este é habitualmente ocupado por quem não tem outros planos senão conversar, beber uns copos e jogar “snooker”. O ruído que lhes chegava lá de cima convenceu-os a ir ver o que se passava e muita gente ficou de pé porque já não havia cadeiras. Ouviam-se gritos, assobios e aplausos num crescendo de entusiasmo. O ambiente foi-se tornando cada vez mais eléctrico e vibrante, com os Spinifex a reagirem em conformidade. Não é o que habitualmente acontece ali com um concerto da Combat Jazz Series, mas neste caso há uma explicação. Os jovens que por lá páram são fãs de rock – estiveram em eventos recentes com, por exemplo, 10 000 Russos, The Sunflowers e TV Rural – e os jorros de energia aplicados na música desta formação em que também encontramos o saxofonista alto Tobias Klein, o guitarrista Jasper Stadhouders e o baterista Philipp Moser derivam directamente da introdução de elementos do metal. Em especial os da linha speed metal, caracterizada pela velocidade vertiginosa com que os sons agitam o ar.
Mas Spinifex não é só isso. As melodias que utilizam têm inspiração nas músicas tradicionais da Índia e da Turquia, e o seu efeito é contagiante, sobretudo quando irrompem de um “beat” tresloucado de bateria, muita distorção guitarrística e um baixo de marcação implacável. As improvisações de saxofone e trompete em assumido plano free jazz / hard bop e os momentos de abstracção organizada servem ainda mais, por contraste, para as realçar, e a banda tira partido disso. Nenhuma audiência é capaz de resistir a este jogo – quem não gosta de jazz passa a gostar. Cada desenlace era um factor de pasmo adicional: os solos de Klein no alto foram de nos fazer cair o queixo, os padrões rítmicos de Moser e Almeida obrigavam a que as cabeças quase, quase entrassem em “headbanging” e a guitarra de Stadhouders cortava tudo isto como uma faca, fria e sadicamente. Quanto a Vicente, como é possível que tenha “colado” tão bem com tão pouca preparação? Ouvi-lo com Tobias Klein a tornar uma dupla de sopros em todo um naipe de orquestra foi algo de literalmente espantoso.
Pois, os Spinifex estão aí e têm mais meia dúzia de oportunidades de os ouvir no nosso país. Hoje, sexta-feira 27, tocam pela segunda vez no lisboeta Hot Clube, amanhã vão estar nos Lagares del Rey, em Tomar, a 30 rumam até às Oficinas do Convento, em Montemor-o-Novo, a 1 de Junho estarão no Maus Hábitos, do Porto, a 2 no ClubVR de Vila Real e a 3 no Teatro Municipal da Guarda. Na Galiza estarão a 31 de Maio, designadamente no Liceo Mutante, em Pontevedra.