Kamasi Washington
Um musical da Broadway
Promovido como se fosse a nova coqueluche da América, o saxofonista veio a Portugal para nos provocar uma desilusão. Se o triplo álbum “The Epic” até agradou, ao vivo, no Tivoli, a música que nos deu a ouvir foi bastante desinteressante, com muito “biz” e pouco jazz, muito teatro e pouca substância.
Kamasi Washington entrou de rompante pelo “showbiz”, com o esforço monumental de um álbum triplo, cheio de melodias lindíssimas, arranjos enormes para 21 instrumentos e coro. A qualidade da edição elegeu-a - justamente – como “disco do ano”. Muito bem tocado, arranjado, solado, começa por parecer vulgar a uma primeira audição (entra pelo modal de Coltrane / Sanders com orquestra), mas, escutado com detalhe, revela-se um trabalho muito musical e cheio de qualidade intrínseca. Atingida a notoriedade, colocou-se o problema de como gerir as duas componentes: o “show” e o “biz” (luckily, the clue is in the title). E Kamasi optou claramente pelo “biz”.
Muito bem promovida esta vinda a Portugal, o lisboeta Tivoli estava quase cheio, com bilhetes caros. Notável o trabalho da produtora, que conseguiu encher um teatro grande com um espectáculo dito de jazz. O espectáculo de Kamasi é feito com seis ou sete temas esticados até ao limite (três horas), entremeando o funk e o “slow”. Bom funk e bom “slow”. Muito bons músicos. Mas para quem foi à espera de um concerto de jazz a desilusão resultou enorme. Não foi um concerto, foi um “show” pop, uma espécie de “Head Supreme, The Musical”. Sem o mínimo de risco, parecia a teatralização de um espectáculo de jazz (gostava de ter visto o da Casa da Música). Mesmo se os solos de Kamasi ou de Brandon Coleman nos teclados foram bons, não correram o mínimo risco.
Apesar de o álbum ter sido feito com uma grande quantidade de músicos, a banda base é aquela que veio a Lisboa e que figura na capa do LP: Miles Mosley no contrabaixo, Tony Austin e Ronald Bruner Jr. nas baterias, Brandon Coleman nos teclados, Patrice Quinn na voz, Ryan Keith Porter no trombone (pouco se ouviu) e o pai de Kamasi, Rickey Washington, na flauta transversal e no sax soprano. Faltava apenas Thundercat no baixo eléctrico para termos a formação base de “The Epic”.
O octeto conseguiu a proeza de ter um som cheio que evocava a superprodução do triplo disco, muito à conta dos teclados. As duas baterias foram excelentes a acompanhar, raramente se sobrepondo: preenchiam os espaços e davam densidade ao som. Mas conseguiram também a façanha dos solos mais previsíveis e mais desinteressantes, num estafado crescendo e diminuendo quase circense. Aliás, esta estratégia permeou muito do concerto, com os solos em “crescendos” e “accelerandos” para poderem mostrar toda a mestria dos músicos, numa demonstração de técnica a maior parte das vezes oca.
É um “show” que aposta tudo no “biz” e em ser simpático para o público (nada contra), pré-mastigado (tudo contra), com habilidades instrumentais fáceis (difíceis tecnicamente, mas lugares-comuns musicais), boa para os festivais de Verão, dançável (nada contra também), mas muito pouco interessante. Musicalmente vulgar, pop já ouvido, pouco criativo, o Kamasi “live” sentou-se sobre a beleza das melodias do disco e distendeu-a até à exaustão.
Só no final, no “encore”, ouvi um solo de saxofone entusiasmante. O espectáculo acaba com os músicos de costas para o público, tirando uma “selfie” para as redes sociais. A essa altura já José Duarte dormia (ou estava só imóvel e introspectivo). Nada disto muda a minha opinião sobre o músico e sobre a qualidade de "The Epic", mas não me avisaram de que, em vez de ouvir o jazz de Kamasi iria receber um musical da Broadway.