O Carro de Fogo de Sei Miguel
Ferro e fogo
Com um percurso único, Sei Miguel é um dos mais originais músicos da cena nacional e O Carro de Fogo de Sei Miguel será a sua empreitada musical mais ambiciosa. Ao palco da Galeria ZDB, no dia 27 de janeiro, Sei Miguel levou a formação consolidada do Carro de Fogo, a mesma que gravou o disco homónimo (edição Clean Feed, 2019).
Ao lado de Sei Miguel (pocket trumpet), estavam Fala Mariam (trombone), Nuno Torres (saxofone alto), Bruno Silva (guitarra elétrica), Pedro Lourenço (baixo elétrico), André Gonçalves (órgãos), Raphael Soares e Luís Desirat (percussões). Casa cheia, todos os lugares sentados estão ocupados, atrás das cadeiras há muitas pessoas em pé. A expetativa é alta. A disposição dos músicos em palco é simbólica: os sete músicos formam um meio círculo, deixando ao centro o microfone, à espera do líder.
Escondido num longo casaco, Sei Miguel curva-se sobre o instrumento, aponta, demoradamente, dispara. A atuação arranca com Sei no pocket trumpet, sozinho, lançando frases com precisão e intensidade. A solo, Sei exibe a riqueza da sua fluência discursiva, herdeira da jazz, transformada em novo. Alguns momentos depois entra o som do órgão de Gonçalves, presente mas discreto, lançando um ambiente de fusão a evocar Miles elétrico dos começos. Junta-se a percussão de Desirat, depois a guitarra de Bruno Silva. A banda vai-se aglomerando e a música cresce, em lume brando, sempre na mesma direção. Por fim entra a secção de sopros, trombone e saxofone, unidos, combinando discursos.
O som do Carro vai ficando cada vez mais cheio. Sei entra e sai, intervém quando necessário, deixa a banda tocar e a música fermenta. Quando Sei se afasta, sobressai sobretudo a guitarra, a desbravar contrastes; também o baixo de Lourenço vai ganhando o seu espaço. A percussão de Raphael Soares revela-se esparsa e afirmativa (lembrando um outro colaborador de longa data, César Burago). Com o trompete, Sei vai pontuando a música, e essas intervenções– curtas, focadas – orientam e retificam a direção do octeto. Para o fim, a dinâmica coletiva conduz em direção a uma tensão nebulosa. A chama, anteriormente branda, vai subindo. Sei reaparece, intervém para resolver. Esta aparição do Carro de Fogo foi sentida pelo público com uma solenidade religiosa. O aplauso final, entusiasmado, confirmou.