12.º Festival Porta-Jazz
12.º Festival Porta-Jazz / Dia 1: a união faz a beleza
O Porta-Jazz regressou à cidade e aos palcos e inaugurou-se às 21h30 de sexta-feira, dia 4 de fevereiro, com o lançamento do disco de Manuel Linhares ("Suspenso") e o respetivo concerto de apresentação. Seguiu-se o concerto do Coreto Porta-Jazz (que trazia o excelente "A Tribo" de 2021 por rodar). Não faltámos à chamada.
Manuel Linhares acabou de lançar o seu terceiro disco, "Suspenso" (ver crítica de António Branco aqui), e coube-lhe a honra de abrir a edição vacinada e desconfinada do 12.º Porta-Jazz.
O cantor açoriano radicado no Porto tem um registo agudo, claro e cuidado, mas uma voz curta que por vezes se dilui quando o grupo começa a tocar. Ficamos com a sensação que pontualmente faltou voz, faltou música, faltaram letras e também uma presença e atitude em palco que criasse proximidade com o público: o cantor pareceu sempre pouco comunicante, com uma gestualidade introspetiva. A música de Linhares cruza a simplicidade melódica da pop com um trabalho vocal rigoroso. A solução encontrada para jazzar foi a de complexificar pontualmente as melodias, para depois as devolver à forma original, mas esta fórmula, quando repetida, faz desaparecer a surpresa; até porque os registos rítmicos e os andamentos soavam similares.
Começou o concerto acolitado pelo Coreto, tendo depois aparecido o seu grupo, um trio de piano, contrabaixo e bateria. Se no início a big band absorveu a voz de Linhares, mesmo em trio ela pareceu por vezes não conseguir manter-se à tona (um trio que passou a quarteto com a chegada do teclista brasileiro António Loureiro, músico que foi responsável pela produção de “Suspenso”, o novo álbum em apresentação). O piano e a bateria estiveram sempre demasiado explicativos quando talvez beneficiássemos com maior liberdade e energia. Aplaudimos no final por cortesia.
Já o Coreto foi outra história! A big-small banda de 12 elementos deu-nos um concerto entusiasmante onde o coletivo liderado por João Pedro Brandão veio tocar ao vivo o disco “A Tribo”, também editado na Carimbo, a label da casa, no ano passado (crítica de Rui Eduardo Paes aqui). Foi uma viagem maravilhosa e muito bem tocada por vários processos orquestrais, desde os mais abstratos (ICP) aos mais melódicos (orquestra de Maria Schneider), numa música que está feita com muita inteligência, bom gosto, e que é muito bem tocada. Sentimos uma lógica wagneriana quando, no final do concerto, João Pedro Brandão dá-nos uma melodia lindíssima que tudo resolve, explorada de várias maneiras, fechando o concerto num lugar paradisíaco.
Alguns solos ficaram mais na memória, mas de algum modo é injusto destacá-los porque todos os momentos solistas foram muito bons. Gonçalo Marques logo a abrir ou o de Daniel Dias no trombone e voz começaram por nos instalar num mundo sonoro onde a tradição do solista de orquestra de jazz esteve presente, mas que pertencem ao nosso tempo e nos arrebata. Também me parece importante destacar o papel de José Marrucho na bateria até porque, uns minutos antes, tínhamos estado noutro planeta rítmico. Podemos sentir vivamente a diferença entre os dois concertos neste instrumento, pois ouvimos um músico que não está preocupado em expor o ritmo – ele já lá está – mas sim de o valorizar e dar outras perspetivas. AP muito bom na guitarra, tanto nos ambientes mais clássicos como na exploração dos pedais indo para mundos mais eletrónicos. Resumindo: 12 excelentes músicos com uma pauta ótima para os guiar e liberdade para dela saírem e nos dizerem coisas interessantes.
O primeiro dia do Festival Porta-Jazz acabou em grande, mostrando que a união pode nem sempre fazer a força, mas é uma coisa bela (e, como tal, a «rare thing»).