12º Festival Porta-Jazz / Dia 3, 7 de Fevereiro de 2022

12º Festival Porta-Jazz / Dia 3

12.º Festival Porta-Jazz / Dia 3: a questão da voz resolvida

texto: Gonçalo Falcão / fotografia: Adriana Melo (Mínima/Porta-Jazz)

Não era por ser o último dia do festival que haveria vacações: seis concertos de seguida no Rivoli. Mais um dia com boa música, alguns de encher a alma; e mais uma vez com as salas cheias. O público veio e aplaudiu quase esgotando os 14 concertos dos três dias. É obra. Um trabalho longo e sustentado que cada ano que passa se apresenta mais sólido e que, esperamos, continua a ser reconhecido. Para o bem da cidade e da música.

Começámos, como na véspera, a ser conduzidos para trás do palco principal com um concerto às 16h fruto de uma parceria com cinco anos entre a Porta-Jazz e a suíça AMR (l’Association pour l’encouragement de la Musique impRovisée). O acordo entre as duas associações resulta na realização de duas residências artísticas (uma cá e outra lá) onde se dá oportunidade a grupos de músicos para levarem as suas pautas e as partilharem (ensaiarem, misturarem tocarem). Assim, dos Alpes vieram o clarinete baixo de Eloi Calame e o contrabaixo de Pierre Balda para tocarem com o saxofonista Afonso Silva, o guitarrista Hugo Ferreira e o baterista João Pedro Almeida do Porto. Sentados naquele auditório descendente preparávamo-nos para ouvir o resultado desse encontro.

Foi um concerto honesto, agradável de ouvir. O início foi marcante com um diálogo contrapontístico entre os dois sopros, numa de sequência repetitiva muito bonita (o grupo não explorou mais esta possibilidade que só reapareceu, menos nítida, no final). Alguns baixos com groove ajudaram a manter as peças vivas. Não ouvimos melodias que se agarram ao ouvido nem intensidades rítmicas que acelerassem o coração. Dir-se-ia que foi um concerto onde imperou o espírito suíço, pragmático e rigoroso, ouvido com agrado e leveza.

 Porta-Jazz + AMR

Foi assim, bem embalados, que descemos mais uma vez para as catacumbas do teatro para a segunda dose. Tal como no dia anterior, já estava tudo preparado para nos receber comum trio de guitarra, saxofone e bateria: os “Wiz”.
A composição e a execução foi dividida por três músicos de três países: José Pedro Coelho no saxofone, Wilfried Wilde (francês mas a residir na Galiza) na guitarra e Iago Fernandez (também galego) na bateria. O disco do trio também acabou de sair na Carimbo.

Muita música nova também com melodias fáceis de seguir, quentes, com bons solos num pós-bop tocado com calor e intensidade. Ouvimos músicos competentes e com vontade de propor novidades (o que, só por si, já é um acto de coragem), ainda que dentro de um formato recorrente. O concerto correu a passo estugado até chegar a um tema de Iago Fernandez “Krafla Friđ”: uma belíssima balada, feita com muito pouca coisa, que marcou a memória. Depois de uma respiração, o “Wiz” voltou aos temas rápidos ao jeito de saídeira. Mais um bom concerto.

 WIZ

Depois de uma curta pausa prosseguimos para a sessão do fim da tarde no Pequeno Auditório para ouvir a grande surpresa da noite, apresentada como “Encomenda a Daniel Sousa”. Um septeto com uma geografia diversa que iria tocar a música encomendada ao saxofonista português, neste momento a residir na Dinamarca.

Wanja Slavin e Daniel Sousa

Longe do ram-ram jazzístico, a música de Daniel Sousa propõe canções a meio caminho entre a pop mais arriscada e o jazz num concerto que deixou muito boa memória e – entre outras coisas – resolveu a questão da voz: Susana Nunes apareceu em palco e imediatamente sentimos que estávamos perante uma cantora. Quando a música acabou, confirmámos.

A instrumentação alargada contava com dois teclados, piano e sintetizador (José Diogo Martins e PJ Fosssum, respetivamente), dois saxofone alto (Daniel Sousa e Wanja Slavin), baixo elétrico (Carlos Borges), bateria (Eduardo Dias) e a magnífica voz de Susana Nunes (Daniel Sousa também cantou – e bem). Todos músicos novos, mas com alguma coisa de particular na abordagem aos seus instrumentos. Não ouvimos virtuosismo no sentido malabarista da palavra, mas sim músicos que estão à procura de um som novo nos respetivos instrumentos. Multiplicando por sete todas as pequenas particularidades ficamos com uma banda que soa original. Hoje em dia o “como” é mais importante que “o quê” e o saxofonista já percebeu que a coisa não se resume à composição, mas ao modo como ela é tocada.

Eduardo Dias

Encomendar um concerto a um músico tão novo é valente, e a aposta foi totalmente ganha. A suíte melódica muito bem estruturada e tocada mostrou uma enorme solidez de ideias e no domínio da forma global. Boa música que merecia ser fixada em disco. Grande voz de Susana Nunes, super afinada, forte e que também à procura de um caminho próprio.

 Susana Nunes

Seguiu-se o quarteto do contrabaixista Miguel Ângelo que trouxe a “Dança dos Desastrados”. Voltámos ao jazz mais conservatorial, que aposta tudo na escrita. Ouvimos com gosto. A presença de Marcos Cavaleiro na bateria foi fundamental pois foi ele quem resolveu ligar o motor, puxando pelo grupo para a criação de momentos de maior intensidade, coisa que não tinha sido comum até esse concerto.

"Dança dos Desastrados” é o terceiro disco do músico, e foi gravado com este quarteto que veio ao festival, e que toca junto desde 2013. Este nove anos fizeram-se ouvir na coesão como respondem, especialmente às acelerações geradas pela bateria.

 Miguel Ângelo Dança dos Desastrados

Devidamente jantados, regressamos ao palco principal do teatro para os dois últimos concertos da noite e encerramento do festival. O primeiro, o Alfred Vogel “Nest” era esperado com muita curiosidade. A apresentação resulta igualmente da parceria entre associações europeias, neste caso com a austríaca Bezau Beatz. Vogel convidou o francês Theo Ceccaldi para o violino (o que já por si seria motivo para sair de casa), O alemão Felix Hauptman para o piano, Chris Dahlgren de Nova Iorque no contrabaixo e Leif Berger de Colónia para a segunda bateria (na primeira estava o próprio). O jazz de Alfred Vogel tem uma enorme componente de improvisação total o que não é habitual no Porta-Jazz.

Alfred Vogel

Os músicos aproximaram-se do palco ao som de sinos tibetanos, numa cerimónia ritualista que instalou o universo não idiomático do grupo. O violino, já o sabemos com Carlos Zíngaro, tem esta enorme qualidade de conseguir sobreviver melodicamente, mesmo nos contextos mais abstratos. E assim foi Ceccaldi quem, depois de uma longa introdução intensamente improvisada, a assumir a construção de uma narrativa musical que resolveu com beleza o aparente caos instalado. Vogel conseguiu manter a locomotiva a todo o vapor e a intensidade no máximo até que o grupo se apagou e ficou só o violino, o piano e uma das baterias numa solidão melancólica. Foi um momento de respiração. Reagrupado o quinteto (que tocaram sempre próximos uns dos outros) voltou a energia. O concerto acabou como começou, com os músicos a saírem do palco com os sinos. Foi um enorme prazer ouvir este jazz menos fácil (por ter menos elementos de ligação com a música popular) a ter palco no Porta-Jazz e o facto é que o público não estranhou. Claramente um dos melhores concertos do festival, intensamente aplaudido.

 João Mortágua e Gil Silva

E o inevitável final chegou com o último concerto a cargo de António Loureiro e o seu grupo “Conexão”. Tínhamo-lo ouvido no início, a tocar com Linhares e esteve de volta ao palco principal para mais um concerto de jazz cantado. Muito pouco jazz e muita música popular serviram para uma despedida em festa num clima semelhante ao que associamos ao festival de Montreux. A música foi tocada por um super grupo nacional com André Fernandes na guitarra eléctrica, João Mortágua e Gil Silva nos saxofones, o regresso do seguríssimo José Carlos Barbosa no baixo e a bateria original de Diogo Alexandre (crítica aqui).

Mal o grupo começou (e resolvido um pequeno quid pro quo inicial com o som do baixo) o ouvimos a música a ser tocada com um grau de ligação que parecia vir de uma banda que está na estrada há vários anos. Loureiro cantou canções muito melodiosas para um fim-de-festa especial. Despedimo-nos com vontade de voltar.

Agenda

30 Maio

Hugo Ferreira e Miguel Meirinhos

Maus Hábitos - Porto

01 Junho

André Santos e Alexandre Frazão

Café Dias - Lisboa

01 Junho

Beatriz Nunes, André Silva e André Rosinha

Brown’s Avenue Hotel - Lisboa

01 Junho

Ernesto Rodrigues, José Lencastre, Jonathan Aardestrup e João Sousa

Cossoul - Lisboa

01 Junho

Tracapangã

Miradouro de Baixo - Carpintarias de São Lázaro - Lisboa

01 Junho

Jam session

Sala 6 - Barreiro

01 Junho

Jam Session com Manuel Oliveira, Alexandre Frazão, Rodrigo Correia e Luís Cunha

Fábrica Braço de Prata - Lisboa

01 Junho

Mano a Mano

Távola Bar - Lisboa

02 Junho

Rafael Alves Quartet

Nisa’s Lounge - Algés

02 Junho

João Mortágua Axes

Teatro Municipal da Covilhã - Covilhã

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